Na seção” Proposta” do site PSantoro Joias, há uma breve menção sobre o processo de criação, assunto muito discutido, pesquisado, mas diverso, único, de pessoa a pessoa:“Não raras vezes a inspiração de uma das peças das coleções de Paulo Santoro advém da associação com alguma outra obra artística também conduzida pelo autor: uma pintura, uma música, uma animação ou vídeo".

A peça então criada materializa aquela ideia concebida, seja ela musical, seja uma imagem ou um personagem de uma história. Por vezes, a joia criada é o próprio objeto da história contada, trazida então para sua manifestação física, passando a ter vida própria.”

Na situação aqui abordada, o Anel, e o Brinco Cardeal tem íntima ligação com a necessidade de uma estrutura arquitetônica diferenciada, para compor o cenário de um sonho, de determinado capítulo de um livro de Paulo Santoro – nesse ambiente, a liberdade então era bastante aberta, livre para desenvolver-se à vontade.

Seria a ideia de criar um anel, com estrutura exótica e não usual que sugeriu a concepção da construção monumental, lá sonhada, ou foi a arquitetura diferenciada dela que teria inspirada a joia única? Associações que ocorrem na mente, difícil de explicar e definir seu processo.

O trecho do ebook multimídia no qual a cena se desenvolve é esta:

“Há muito que DOIS não se permitia um instante de relaxamento. A expectativa, o trabalho da preparação do discurso, o cuidado com a defesa da proposta, horas de reunião… fadiga.

Pensa se seu discurso estará a altura do que aquele que UM preparava … lembrou-se de quantas vezes, após seus incontáveis debates, procurava encontrar um jeito de, disfarçadamente – principalmente de seus correligionários – pegar o discurso de seu oponente, para em segredo, estudá-lo, admirar-se com seu estilo, sua estruturação, a refinada elaboração e concatenação de idéias, o fluir irresistível de sua retórica, conduzindo o ouvinte com serenidade, segurança… Não procurava disfarçar de si mesmo, nutria uma profunda admiração pela capacidade de expressão de seu competidor, sua habilidade intelectual…

Jogou isso para longe, deitou-se desejando uma noite tranqüila, sono reparador…

Desejo negado. Revirou-se uma, duas, várias vezes, até adormecer e entrar em território indomado, incontrolável.

Justo ele, DOIS, que sempre mantinha estreito controle sobre tudo, agora cruzava aquele espaço difuso, indefinido, onde era totalmente passivo: sonhava.

Interessante, exótico, estranho lugar se encontrava agora ele. Os caminhos – ruas? – eram brancos, monumentais, exuberantes edificações apontavam para o céu, em pontiagudas homenagens.

 Circulava entre elas, tinha a consciência de que encaminhava-se para receber o cargo máximo daquela terra de sonhos, era o SEU sonho realizado, dentro de seu sonho vivido.
Receberia o chapéu simbólico reservado ao mandatário maior, a capa rubra que a partir de então o diferenciaria dos demais como a autoridade máxima entre o povo, era agora o “Primus Cardealis”, pronto para assumir suas funções, suas propostas.

Mas, percebe um detalhe inesperado, imprevisto… a capa lhe pesava, pesava muito, e à medida que se movia, incorporava mais peso, as costas já lhe doíam. Em seus sonhos acordados, não desejara isso, em vigília, não previra tal coisa. Tentava absorver, dominar o inesperado, o corpo curvava, era-lhe difícil caminhar…”

Trecho do ebook multimídia“O Jogo dos Papeletes Coloridos”, de Paulo Santoro, SãoPaulo, 2012.
Artes: Aquarela, 2007 ; Acrílico s/tela, 2017 de PSantoro